quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Pare, Escute, Olhe

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OS POLÍTICOS E A NOVA REDE FERROVIÁRIA

A discussão da nova rede nunca foi abordada correctamente, pois só foi considerado o transporte de passageiros, tendo sido ignorado o tema mais crucial para Portugal que é o transporte ferroviário das mercadorias para a União Europeia.


Nestas eleições legislativas, a nova rede ferroviária de bitola (distância entre carris) europeia voltou a ser um dos principais temas de discussão: o TGV. No ano de 2001, o Governo PS de António Guterres nunca demonstrou grande interesse pela nova rede de bitola europeia porque, na altura, estava mais inclinado para a construção do aeroporto da Ota. Aliás, quando o executivo de então percebeu que era impossível investir em vários projectos simultaneamente, decidiu dar prioridade à Ota em detrimento da nova rede ferroviária, pois ainda não tinha sido firmado nenhum acordo com Espanha. O Governo PSD de Durão Barroso não estava interessado em nenhum destes empreendimentos, dadas as limitações financeiras e o défice das contas públicas.

Nessa altura, o então Ministro das Obras Públicas Valente de Oliveira defendia o modelo do T deitado e a ligação por Cáceres, que não foi aceite por Espanha na Cimeira de Valência em 2002 devido a razões técnicas, ambientais e custos financeiros. Após a sua saída do Governo, foi a vez do Ministro Carmona Rodrigues tomar conta deste assunto. Inicialmente, tinha pouca informação sobre o tema e também defendia o modelo do T deitado, mas, após ter estudado e reflectido, concluiu que aquele modelo era incorrecto e, segundo as suas próprias palavras, o T não servia ninguém. Carmona Rodrigues também percebeu que se insistisse na ligação por Cáceres, jamais haveria acordo. O entendimento prévio foi estabelecido no dia 18 de Setembro de 2003, em Madrid, com o seu homólogo espanhol Francisco Cascos. O acordo oficial foi efectuado, no dia 7 de Novembro de 2003, na Figueira da Foz.

Ambos os Ministros confirmaram os objectivos incluídos nos referidos acordos relativamente às seguintes linhas:



• Porto-Vigo (2009)

• Aveiro-Salamanca (2015)

• Faro-Huelva (2018)

• Lisboa-Madrid (2010)



No dia 4 de Maio de 2005, em Lisboa, o Ministro das Obras Públicas Mário Lino do Governo PS de José Sócrates recebeu a Ministra de Fomento Magdalena Álvarez e assumiu os compromissos da Figueira da Foz.

Em relação à linha Lisboa-Madrid, além de ficar estabelecido o compromisso de o tempo de viagem entre as duas cidades ser da ordem das 2 horas e 45 minutos, ficou acordado que as características da referida linha seriam as seguintes: nova linha de Alta Velocidade, via dupla, electrificada, bitola standard de 1435 mm (europeia), possibilidade de tráfego misto, passageiros e mercadorias, em cada país. Da parte portuguesa foi pedido o avanço da conexão Aveiro-Salamanca.

No dia 18 de Maio de 2005, o Ministro Mário Lino foi ao Parlamento, para uma sessão de perguntas na Comissão de Transportes, onde revelou detalhes da reunião tida com a sua homologa espanhola, informando os Deputados que se estavam a efectuar mais estudos para tomar decisões no futuro. Nessa ocasião, o Ministro já sabia da gravidade da actual situação económica, porque afirmou que o défice real da economia portuguesa rondava os 7%.


LINO ALTERA POSIÇÃO


Surpreendentemente, no dia 28 de Outubro de 2005, o Ministro Mário Lino, também no Parlamento, afirmou que o projecto que tinha assumido, em 4 de Maio, era “irresponsável" e “magalómano” tendo dito que a nova rede de bitola europeia deverá ter um atraso de 5 anos.

Uma das razões invocadas, segundo ele, “resulta do facto do anterior Executivo, depois de decidir avançar com o projecto e negociar datas com Espanha, não ter feito nada para o implementar, o que provocou um atraso de 3 anos e meio na execução”. Este argumento é estranho pois os acordos da Figueira da Foz foram assinados em 2003. Além disso, o ex-Presidente da RAVE e REFER Braancamp Sobral, que foi exonerado, afirmou: "É inaceitável que a REFER esteja sem orientações estratégicas há sete meses ” ou seja, desde que a nova equipa Ministerial tomou posse.

Outra das razões invocadas para o atraso deve-se às actuais limitações financeiras, mas esse argumento, ao que parece, já não se aplica no caso do novo aeroporto porque esse projecto tinha que avançar.

Convém recordar que, em Maio de 2005, o Ministro Mário Lino declarou publicamente que a Portela poderia receber cerca de 23 milhões de passageiros e que a Ota só tinha capacidade máxima de 30 milhões mas, mesmo assim, achava que se deveria avançar com o projecto.

A conclusão a que se chega é que foi decidido construir o aeroporto da Ota e adiar a nova rede ferroviária, apesar de, em Maio de 2005, o Ministro já ter conhecimento das limitações financeiras e ter assumido os acordos da Figueira da Foz.

Valadares Tavares, encarregado pelo Ministério da Economia de estudar os futuros investimentos, afirmou que a decisão relativa ao novo aeroporto foi política (in Público de 29 de Agosto).

Desde 2005 até 2009, não foi apresentado nenhum projecto de execução de qualquer via da nova rede ferroviária que seja do conhecimento publico. No Verão de 2009 o Governo decidiu adiar a escolha da empresa que poderia construir o troço Poceirão-Caia. Tudo o que foi descrito anteriormente representa a realidade do que verdadeiramente ocorreu desde o ano 2000.

A grande discussão, neste momento, é se a construção da nova rede ferroviária deve ser adiada ou não, dadas as actuais limitações financeiras do País.

Os vários partidos nunca estudaram o assunto com a devida profundidade e, mais grave, nunca se tentou criar um consenso nacional para a definição de um plano ferroviário de bitola europeia e de um sistema integrado de transportes.

A discussão da nova rede nunca foi abordada correctamente, pois só foi considerado o transporte de passageiros, tendo sido ignorado o tema mais crucial para Portugal que é o transporte ferroviário das mercadorias para a União Europeia.

Quando os políticos assimilarem os graves constrangimentos que a actual rede portuguesa apresenta, devido à diferença da distância entre carris, com a rede europeia, isso talvez os faça encarar a discussão de maneira diferente. A resolução deste problema deverá ser prioritária, relativamente às novas auto-estradas e mesmo ao novo aeroporto.



Rui Rodrigues

Email: rrodrigues.5@netcabo.pt

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